quarta-feira, novembro 24, 2004

Comentário retirado da revista, Forum Estudante( 1995)

  • Retirei algumas questões de um artigo de uma revista, respondidas pelo professor A. Dias Figueiredo, professor na Faculdade de Coimbra.

"O nosso primeiro objectivo é dar a conhecer o que será o futuro da educação. Por isso,
Gostaríamos de saber a sua opinião relativamente à adaptação do ensino às novas tecnologias. Será que ela é mesmo indispensável?"
A educação tem, imperiosamente, que se adaptar às necessidades das sociedades que serve. O grande desafio actual é o de se adaptar às grandes mutações sociais, culturais e económicas criadas pela eclosão das novas tecnologias. Nesse sentido, a adaptação é indispensável, e urgente, mas não se trata de adaptar a educação às tecnologias. Como dizia Heidegger: "a essência da tecnologia tem pouco que ver com a tecnologia"! Os maiores desafios não são de natureza tecnológica, mas, insisto, de natureza social, cultural e económica.


"Que evolução prevê para a educação que temos hoje por tradicional?"
Se se mantiver como se encontra, prevejo que se vá divorciando cada vez mais das necessidades reais dos seus destinatários. Exprimi esta opinião na contibuição que me foi pedida para o Livro Branco da Educação no Século XXI, que a Comissão Europeia está a elaborar. A escolaridade, enquanto sistema dirigido às massas, praticamente não existia antes do século XIX. Foi criada para corresponder às necessidades de massificação da educação criadas pela Sociedade Industrial, e para manter as crianças protegidas das realidades do sistema económico - as indústrias - que as exploravam vilmente como mão de obra barata. Na alvorada do século XXI, nenhum destes pressupostos se mantém. À medida que as economias transitam de lógicas industriais para lógicas do saber, as necessidades passam a centrar-se na obtenção de "trabalhadores do saber". Por outro lado, já não é necessário isolar as crianças da sociedade, em escolas antisépticas. Pelo contrário: pretende-se que a construção do seu saber possa ser uma actividade social plenamente integrada.
Por outro lado, a aprendizagem adquirida nas escolas representa uma parcela cada vez menor da aprendizagem que se adquire no dia-a-dia. Há já muitos anos que alguns pais colocam os seus filhos, fora das horas de escolaridade obrigatória, em estabelecimentos paralelos às escolas oficiais, onde garantem (e, em muitos casos, certificam) a sua competência em línguas, música, dança, electrónica, informática, ou desportos. No entanto, a eclosão das tecnologias multimedia, suportadas por poderosas indústrias culturais, e as potencialidades de interacção através de redes de dados, perfiguram um cenário explosivo de oportunidades de auto-educação e de educação à distância, não só na idade escolar, mas ao longo de toda a vida.
Neste contexto, cada vez mais jovens e adultos exigem variedade de canais de aprendizagem, num sistema de elevada escolha. Exigem também maior actividade e interactividade, mobilidade, convertibilidade, conectividade, ubiquidade, e globalização. As escolas tradicionais estão mal equipadas para fazer face a este desafio. A mudança, da massificação das escolas para a individualização da escolha livre, nomeadamente através das redes de dados, tenderá a retirar parte da importância às escolas e a colocá-la na casa de cada um.
Este cenário poderia fazer crer que partilho o cepticismo de alguns autores radicais quanto ao futuro das escolas. Passa-se o contrário: penso que a escola nunca foi tão necessária! De facto, penso que a variedade explosiva da escolha e a agressividade crescente da oferta estão a mergulhar os cidadãos em geral, e as crianças e jovens em particular, na mais profunda das dissonâncias e ansiedades. Por outro lado, como dizia Naisbitt na sua identificação das megatendências actuais, a frieza das altas tecnologias impõe uma contrapartida indispensável de calor humano: quanto mais tecnológica é uma sociedade, mais necessita de compensações ao nível dos valores humanos e da afectividade. É aqui que se situa, a meu ver, a função chave de um escola reinventada: dar estrutura a um mundo de diversidade, fornecer os contextos e saberes de base para uma autonomia de sucesso nesse mundo, e fornecer as respostas humanas compensatórias de que a escola dos nossos dias se está a distanciar tão perigosamente.


"Será que as novas tecnologias vão ser uma ferramenta, a par de outras, para ensinar e aprender?"

Sem dúvida! E serão ferramentas com importância crescente. Mas importa esclarecer aqui um aspecto em que a minha visão diverge da habitual. A opinião comum é que essas ferramentas serão usadas principalmente nas escolas. A minha visão é que serão usadas maioritariamente em casa e em centros de recursos publicamente disponíveis (centros estes que evoluirão a partir das bibliotecas públicas). Esta minha opinião baseia-se em três razões principais. Primeiro, as escolas não têm condições financeiras para manterem um grande parque de equipamento que se torna obsoleto todos os dois ou três anos, nem para adquirirem um número significativo de licenças de títulos didácticos, sempre em renovação. Segundo, o ritmo de evolução das tecnologias torna incomportável em termos financeiros, e insustentável em termos profissionais, uma formação e reciclagem permanente dos professores "para as tecnologias". Terceiro, as empresas produtoras de suportes e serviços didácticos só conseguem encontrar viabilidade económica para uma prestação de qualidade se se dirigirem ao mercado alargado do grande consumo. Já actualmente, o mercado doméstico de equipamentos e produtos de software é incomparavelmente mais visível do que o mercado das escolas.
Não quero dizer com isto que as escolas não explorarão as novas tecnologias.